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Empatia: pilar chave da Rede-Comunidade

Quando se quer transformar, a primeira transformação é a do olhar. Sim, é preciso aprender apensar diferente para criar soluções que impactem positivamente a vida das pessoas. E pensar fora da caixinha, ou inovar, como preferir, tem a ver com o deslocamento do olhar: do eu para o outro, do eu para nós, do ego para o eco.

Se fôssemos descrever em poucas palavras o papel da Rede-Comunidade de Inovação Social,seria o de facilitar essa viagem: aprender a pensar diferente, para agir diferente.

Mas diferente do que ou de quem? Se a diferença não está em nós mesmos, ela só pode estar em um outro. É mais ou menos sob tal perspectiva que muitas pessoas definem, de bate e pronto, o que é empatia: se colocar no lugar do outro. Brenda Guimarães, integrante do grupo Feminismo Comunitário, vai além: “Se colocar no lugar do outro e escutar. A gente está mais acostumado a falar, do que ouvir o que outro tem a dizer”.

Selma Paiva, do Ateliê Cendira, completa: “Mais do que se colocar no lugar do outro, a empatia é você se movimentar para acolher, ou contemplar de alguma forma, o outro. Sinto que quando falamos de empatia, a primeira tendência é nos colocarmos à disposição, mas quando recebemos a resposta, pensamos: isso não tem nada a ver comigo. Mas talvez possa ter a ver. Se nos interessamos realmente em estar ali com aquela pessoa, temos que buscar transformação. Ouvir, entender e fazer algo com aquilo”.

Empatizar: verbo intransitivo

Concordamos com a Brenda e a Selma: empatia é verbo, e verbo requer ação. Por isso, a empatia é o primeiro pilar da metodologia aplicada pela Rede-Comunidade – o design centrado no ser humano, que nada mais é do que colocar as pessoas no centro das decisões na hora de pensar e construir uma solução.

Um dos primeiros passos da metodologia é entender que o inferno não são os outros, e que esses outros são o público-alvo da solução para o problema que queremos resolver. O processo de empatia vem logo depois: se os outros existem, o que pensam, onde vivem, do que se alimentam, o que querem? Parte-se para o que chamamos de escuta ativa.

“Sempre que vamos falar do projeto, a gente divide em antes e depois da Empatia. Antes da empatia, estávamos perdidas”, conta Adriana Santana, também do Feminismo Comunitário.

O coletivo,formado por seis mulheres de 17 a 27 anos, atua na periferia sul de São Paulo,mais especificamente no Real Parque e Jardim Panorama. Ao iniciar o processo com a Rede-Comunidade a ideia era desenvolver um aplicativo de acolhimento a mulheres vítimas de violência doméstica, ocorrência comum na região. A solução parecia perfeita, porém “estávamos nos esquecendo do mais importante: o engajamento de uma rede de mulheres. Fomos entendendo isso ao longo do tempo. Paralelamente ao desenvolvimento do aplicativo, produzimos encontros e rodas de conversas com as mulheres da região. Nesses encontros, elas encontraram espaço para serem escutadas e compartilharem as suas histórias. Essa rede foi sendo construída,mas o nosso foco continuava a ser o aplicativo, até que a Rede-Comunidade nos conectou com a Mafoane Odara, coordenadora do Instituto Avon. Na reunião,apresentamos a ideia e contamos sobre os encontros. Ela, com muita experiência,nos mostrou que o mais importante era o vínculo entre as mulheres. No final ela falou: o mais difícil vocês já tem, que é a rede. Tanto a pesquisa de empatia,quanto essa reunião serviram para a gente entender o real problema e construir uma solução baseada na rede de mulheres e meninas”, explica Adriana. “O processo que passamos com a Rede-Comunidade transformou a ideia. Começamos com uma e mudou completamente para melhor. Não deixamos o aplicativo de lado, mas entendemos que o principal está nas pessoas”, completa Ana Paula de Oliveira,outra integrante do grupo.

Outra experiência que demonstra o poder de transformação de processos verdadeiramente empáticos foi a do coletivo Jovens Produtores Culturais, que também atuou na Zona Sul, no  Jardim Ângela, Piraporinha e Jardim Nakamura. Ivy Frizo, uma das facilitadoras do grupo, explica que a ideia inicial – fortalecer o ecossistema de produção cultural da região, por meio de formações – foi transformada após a fase de empatia. “A Rede-Comunidade mudou o nosso olhar. Escutando o território, conseguimos entender que a produção cultural já era forte, e que o maior desafio era, na realidade, dar visibilidade para o que está sendo feito na região”.

Para as mulheres do Ateliê Cendira, a empatia se tornou ação fundante. O grupo já leva em seu nome (cendira, significa irmã, em tupi) e DNA, práticas de igualdade e horizontalidade. O objetivo principal é constituir um coworking para mulheres periféricas da região do Jardim São Luís. Um espaço que contemple estações colaborativas de trabalho e programações culturais e formativas. Segundo Vanessa Borges, uma das cinco integrantes do coletivo, as entrevistas de empatia foram importantes não só para o entendimento dos diferentes públicos,mas para a reflexão sobre o próprio Ateliê. “Na parte da empatia, conseguimos enxergar quem era o Cendira e como ele se relacionava com essas mulheres. Isso nos fez refletir sobre nossa própria ação”.

Suzane Costa,também do coletivo, completa: “Aprendemos a empatizar para qualquer decisão do Ateliê. Por exemplo, fazemos uma roda de justiça restaurativa comunitária, mas os temas sempre foram propostos a partir do que nós acreditávamos que seria relevante na vida das mulheres. E a partir do processo da Rede-Comunidade,começamos a empatizar até na hora de definir o tema. E esse foi um dos maiores aprendizados: a importância de se consultar”.

Colaboração: eu + o outro

Porém, para agir de forma empática e transformadora, a interação com o outro é imprescindível. A metodologia, pautada no Design Centrado no Ser Humano, parte da empatia para entender a fundo o problema a se resolver. A solução vem logo após, em colaboração com o público-alvo (ou seja, o outro).

Exemplo disso podemos encontrar na experiência do grupo AgroGym, para o qual o processo participativo foi um dos pilares fundamentais. Em poucas palavras, o projeto é uma ferramenta de engajamento de pessoas para que cuidem das hortas comunitárias.

“A ideia é que a horta se transforme em um ponto de encontro do território e assuma um papel,em lugares periféricos (regiões de desertos alimentares), de oferta de alimentos orgânicos e frescos. Pensando nisso, partimos de um problema: cuidar das hortas – um trabalho exaustivo e volumoso – e resolvemos atrelar a alguma atividade física, como isca para o engajamento das pessoas. Para isso, criamos seis equipamentos, formando um circuito de ginástica: (1) papagalhos (bicicleta trituradora de galhos), (2) bomba de água manual para o sistema de irrigação,(3) estação de peneiramento, (4) balde duplo, (5) pá dupla e (6) sapato escavador”, explica Maria Augusta Bueno, uma das integrantes do grupo.

Todas esses equipamentos foram resultado de necessidades mapeadas junto às pessoas do território, durante duas maratonas de design realizadas pelo projeto. A primeira, mais conceitual, buscou colher, por meio da pesquisa de empatia,quais eram as dificuldades enfrentadas pelas mulheres cuidadoras do Viveiro Escola União, localizado na zona leste da capital. A segunda colocou a mão na massa para pensar e construir os equipamentos.

“Fizemos uma ideação inicial entre nós, depois partimos para pesquisa, e nova ideação, dessa vez com as pessoas do território. O ato de construir junto é muito potente.Transcende a metodologia de Design Thinking, pois além de colocar o ser humano como centro daquela solução, traz as pessoas para participar do processo. O sapato escavador, por exemplo, foi ideia de uma criança de seis anos que participou das maratonas”, analisa Maria Augusta.

“O design centrado no ser humano está alinhado aos princípios da permacultura, tais como criatividade, responder a mudanças, usar soluções pequenas e lentas, com pouco desperdício, por exemplo. Porém a sistemática do processo da Rede-Comunidade veio a somar, sobretudo com essa ideia de testar, poder mudar de direção e estar sempre num ciclo”, complementa Marcos Vinícius Moraes, também integrante do grupo.

Experimentação: da empatia ao protótipo, um ciclo

Mas para que a solução deixe de ser ideia, ela precisa ser colocada em prática. Daí vem o terceiro elemento da metodologia implantada pela Rede-Comunidade: a experimentação, com a possibilidade de erro, de se construir e reconstruir em pleno voo. Por essa lógica, nada está dado como definido. O processo se torna orgânico e não linear. Dessa forma, a empatia é realizada não só no início, mas em todos os momentos, como forma de validar se aquela solução ou projeto ainda faz sentido. Ela se torna a norteadora para se experimentar, testar e validar de forma contínua.

Verônica Gentilin, integrante Teatro de Contêiner Mugunzá, que tem sede no bairro da Luz, centro de São Paulo, no meio da cracolândia, conta que a princípio o grupo tinha a ideia de integrar as crianças do território ao espaço, por meio de espetáculos teatrais. Porém, com o diagnóstico inicial, perceberam que aquelas crianças – muitas provenientes de ocupações – tinham outros interesses e hábitos. A partir disso, começaram a refletir como o espaço se relacionava como entorno. Partiram para a pesquisa de empatia. “Conversei com moradores,pessoas em situação de rua, comerciantes. A unanimidade foi que ninguém entendia o que era o Teatro. É um espaço bonito, colorido, mas as pessoas não sentiam que era para elas. Daí descobrimos que faltava uma comunicação mais clara: o que é aquele espaço, para quem é, para que serve e o que acontece. E outra pontuação que surgiu foi que essas pessoas se sentiriam mais à vontade se oferecêssemos espetáculos exclusivos para pessoas em situação de rua”.

A demanda das ruas foi escutada. A próxima experimentação (e teste) foi exatamente o oferecimento de apresentações mensais exclusivas. “Iniciamos uma parceria com o Consultório na Rua e o CAPs para ofertar espetáculos gratuitos e bate-papo fechados para os agentes de saúde desses programar e seus assistidos. Essa foi uma das formas de integração dessas pessoas ao espaço”, conta Verônica.

Mas não parou por aí. Segundo Verônica, o processo de design centrado no ser humano, aportado pela Rede-Comunidade, foi também um momento de elaboração sobre se estar em um território como o da cracolândia. Um momento de revisitar e deslocar o olhar.“O nosso grande desafio foi entender que o que a gente achava que era o problema, não era o problema. Percebemos que as nossa percepção (e solução)inicial de como integrar as pessoas no espaço estava sendo muito contaminada com o que achávamos que era integrar. A gente enquanto espaço achava que o único jeito possível era assistir os espetáculos. Porém percebemos que as pessoas já estavam integradas: usavam o banheiro e esguicho para lavar a roupa,por exemplo. Percebemos o quanto estava sendo impositivo da nossa parte. E a partir daí começamos a desenhar outras possibilidades”.

Da empatia, passando pela ideação, até a prototipagem foram diversas idas e vindas, e diversas soluções experimentadas: de espetáculos fechados para um público específico, da melhoria na comunicação do espaço (como que ele se relaciona com o entorno deforma clara), a eventos como o Rua Ex’isto, realizado um sábado por mês, com foco na autoestima, autocuidado e redução de danos, com atividades de beleza e cuidados, alimentação, recreação infantil, e oficinas culturais diversas para adultos.

As vivências com os vários grupos que a Rede-Comunidade apoiou durante 2018 transforma não só aos grupos, mas a própria Rede. Nos mostra que não existe uma solução pronta, fixa e rígida. Se as pessoas precisam estar no centro das decisões, as decisões, assim como as soluções se tornam dinâmicas, fluidas e passíveis de serem modificadas e melhoradas. É com esse espírito que entramos em 2019:aprender juntos a transformar e sermos transformados.

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